terça-feira, março 08, 2005

Segundo Capítulo 1 (Ou Primeiro Capítulo 2)

Senhoras. Muitas senhoras. Algumas menos gordas, outras também.

Uma verdadeira infantaria de velhas malucas, com a inseparável presença de seus filhos e filhas, empurrando e esperneando para comprar material escolar numa loja que não é especializada nisso.

Vou explicar melhor. Depois do que se passou no Capítulo anterior, resolvi fazer uma excursão ao distante Méier. Distante sim, porque andar a Hermengarda (é isso?) inteira na contramão das dezenas de ônibus fumacentos piora bastante a já sofrível viagem.

Tinha umas coisas mais importantes pra resolver, outras menos. Comprar uns cabos para a guitarra, pagar umas contas e outras bobagens.

Eis que na hora do regresso ao lar, tive uma idéia:

"- Acho que vou dar uma paradinha nas Lojas Americanas e comprar um caderno e umas canetas."

Brilhante. Lá tem ar-condicionado, dá pra aliviar um pouco o calor antes de voltar pra casa. Lá costuma ter uns cds bons baratos. Lá costuma ter chocolate barato. E, é claro, também tem as ferramentas que me ajudarão a mudar meu futuro estudantil.

A primeira impressão foi ótima. Loja vazia, descoração estranhíssima de Páscoa (patrocinada pela Lacta). Mais decoração de Páscoa, e algumas ofertas de produtos Bic, Faber Castell, Tilibra e outras dessas marcas que a gente só lembra uma vez por ano. Preferi deixá-los pra depois.

Como de hábito, dei aquele passeio. Todo mundo que me conhece bem sabe que adoro as Lojas Americanas. É uma mania esquisita que tenho.

Vi as roupas baratas. Pensei em comprar, mas não tive coragem. Não perdi muito tempo com a seção de utensílios domésticos, já que na Casa & Vídeo é tudo mais barato, com o mesmo nível de não-qualidade. Cheguei na minha parte preferida: os brinquedos infantis (brinquedo infantil
não é pleonasmo. existe brinquedo de adulto sim. mas vende em outra loja). Passei uma meia hora por lá. Depois de apertar 28 bichinhos de pelúcia que gritavam, analisei os jogos de tabuleiro, chegando à conclusão de que este tipo de diversão só tem mais 20 anos de vida. As crianças de hoje já não brincam disso, e quando forem pais, não vão querer que os filhos brinquem. Mas isso é assunto para outro post.

Então verifiquei os CDs, nada de bom por R$9,90. Apenas Belle & Sebastian. Nunca gostei muito. Além da temível prateleira com todos do (urghhh) Legião Urbana, achei um "Ruído Rosa", do Sr. John Takai. Achei melhor levar. Minha cópia pirata já não tocava as últimas faixas.

Foi aí que acho que uma macumba braba se abateu sobre mim.

A essa altura já havia me esquecido do motivo de estar ali (comprar um caderno e umas canetas). Fui pagar o CD do Pato Fu, mas para minha sorte (ou azar) o computador do caixa estava ruim, e ou eu esperava, ou pagava lá fora. Foi quando me lembrei do caderno.

Ao sair da seção de CDs e DVDS, percebi que algo havia mudado. Conversas indistas e burburinhos dignos de Closed Caption vinham da parte da frente da loja.

Pois é. Era a tal horda de mães monstruosamente gordas que entravam ao mesmo tempo no estabelecimento. Inflei o peito. Respirei fundo, recitei trechos importantes do Tao Te Ching, e, como as árvores tenras da maturidade, resolvi ser flexível, e interagir com as mamães e suas crias.

Ledo engano, diria meu avô Jorge Vouzella. Elas não queriam ouvir "com licença" e muito menos "por favor". Descobri que boa parte delas eram de um "grupinho de compras". Isso mesmo. Ouvi uma explicar para alguém que eram todas mães de crianças do mesmo colégio, que estavam na Kombi de uma delas (que absurdo!!) comprando o material todas juntas. Assim, segundo a senhora mestiça de expressões duras, elas teriam certeza que só compraram o mais barato.

Depois disso, ela completou dizendo que acabavam de vir da Casa Cruz e outras lojas do Centro, mas que lá estava meio caro, e, além do mais, estava muito cheio. Nas Americanas, explicou,"o lápis de cor tá muito barato". E ainda completou: "Olha só aqui é bem mais tranquilo, olha como tá vazio...".

Neste exato momento eu estava preso entre outras duas enormes bundas negras. Não podia me mover, e muito menos olhar para nenhum dos dois lados, me restava, então, a visão das prateleiras em minha frente. Nelas, eu observava, é lógico, muito interessado, cadernos de caligrafia e estojos com frases religiosas como "Jesus é fiel". Pra sair resolvi fingir de interessado e perguntar pra uma das duas: "Será que não tem aquele 'Só Jesus expulsa os demônios das pessoas'"???

Elas não entenderam direito. Era a brecha que precisava pra escapar.

Suei bastante para passar pelas banquinhas que vendiam promoções de lapiseira. Criança adora lapiseira. Mas só até a idade em que elas tem que comprar o próprio grafite. Tinha mais criança do que mãe.

Consegui achar cadernos de uma promoção que elas, surpreendentemente, não tinham avistado. Todos tinham o mesmo preço. Qual peguei? Qualquer um, lógico. Quanto menos tempo ali, maiores eram as chances de escapar das Americanas sem um colapso nervoso.

Logo ao lado, tinha uma banquinha de canetas. Graças à Deus, tenho um gosto estranho, e prefiro aquela caneta Bic toda preta, que solta tinta pra caralho. Ao meu lado, apenas um jovem casal do Cachambi procurava uma tal "caneta que não mancha" que um amigo mostrou pra eles. Acho que era mentira do tal amigo. Nunca vi caneta não manchar.

Não preciso dizer que achei um absurdo pagar quase três reais numa só caneta. Uma caneta simples, sem nada especil. Não era a caneta do Clodovil, e nem era uma caneta da moda. Se ela fosse escrever sozinha pra mim, pagava até mil reais. Mas não era uma novidade tecnológica. Era apenas uma caneta comum. Que escreve em papel comum.

Resolvi pesquisar, já que as mães não acessavam muito a área das canetas, afinal, devia haver um concorrente. Mais alguém no mundo deveria querer vender aquela merda de caneta preta. Mas procurei e não achei nada.

Perceptivelmente irritado, me dirigi à fila dos CDs, pra tentar pagar lá. Adivinha o que aconteceu? Sistema fora do ar. Arghhh! Que raiva.

Cheguei então à fila principal, e é aí que o conflito direto aconteceu. A fila até que não era muito grande, e ao entrar nela, fiquei aliviado ao ver uma senhora sair. "-Uma a menos", pensei. Me posicionei atrás daquele casal da caneta "mágica" e me preparei pra esperar.

Quem chegou então atrás de mim?? A gorda. Aquela que contava sobre a Kombi. Olhou bastante para os 8 que estavam na nossa frente e me perguntou:

-Você não viu uma moça gordinha por aqui não?

Balancei o rosto negativamente.

-Ela estava guardando nosso lugar na fila.

Fiz aquela cara de merda que o Felipão adorava fazer para os jornalistas na Copa.

Dois minutinhos e a "moça gordinha" (devia pesar alguma coisa com 3 dígitos) apareceu. Pronto, né. Todas as condições necessárias: Gente pobre, nervosa e se sentindo ferida no parco senso de justiça presente em si. O BARRACO ESTAVA ARMADO.

- Vem cá, por que você não guardou nosso lugar na fila?

- Eu guardei sim. Só fui dar uma olhadinha naquela promoção de compassos e transferidores. Você esqueceu que Dinaldo foi pra 4ª série? Ele vai precisar. Não sei pra que o professor...

[interrompendo] - Cala a boca, Arlene! Não me inventa desculpa. Não quero saber. A gente ainda tem que comprar as cartilhas lá em Madureira, que aqui tá caro demais...

[ela se vira para o meu lado] E você aí, tá rindo de quê? Furou a fila e tá feliz, é???

Tentei me defender. Tentei mostrar que não estava rindo, que a situação não me divertia, mas era inútil. Ela não parava:

- Vocês jovens não respeitam ninguém mesmo. Não tá vendo que eu tenho idade pra ser sua mãe?? Por falar nela, ela não te deu educação não, menino? Que é isso??? AAAAAi...

Graças a Deus, alguém cutucou por trás a senhora. Que já vermelha, com a jugular saltando do pescoço, se assustou e despencou no chão.

Era um funcionário da loja que, fantasiado de apontador, pedia passagem para carregar alguns milhares de lápis para um expositor na entrada. A gorda deve ter achado que era alguma alucinação pra desmaiar, ou então lembrou de algum trauma de infância, sei lá...

Enquanto o casal da "caneta mágica" abanava a mulher, um funcionário dizia"Caixa 15 livre". Era tudo que eu queria ouvir. Com agilidade de ginasta, e destreza de amante que foge do motel, saí de fininho da confusão.

Nada de Visa Electron. Dinheiro, troco, obrigado e tchau, velha maluca.



...a ser continuado... (escrito por um português)



Brunolo escreve este relato sempre não quer usar canetas. Ele jura que é tudo verdade, e que nunca teve intenção de ofender senhoritas acima de seu peso.